1 de jan. de 2008

O adeus à privacidade


por Rosa Miriam Elizalde e Rogelio Polanc

Num futuro não muito longínquo, se chegar a instalar-se como modelo o projeto de dominação global, haverá um só banco de dados, que conterá tudo de todos. Armazenará cada pormenor concebível de uma pessoa, desde o nascimento até à morte.

Testando a ditadura digital nos EUA

O ponto que tentaremos demonstrar é que, à medida que se tornam mais complexas as tecnologias sob o controle dos EUA mais duvidosas se tornarão as promessas de liberdade na Rede e mais asfixiantes os sinais de controle social. De fato, hoje estarmos perdendo privacidade. O que outrora foi informação estritamente confidencial vai agora de uma universidade, de um hospital ou de um supermercado para uma base de dados controlada por burocratas, dali ao responsável do tribunal de investigação e termina em mãos do governador de uma prisão, graças a uma cadeia interminável de fontes obtidas frequentemente de maneira ilegal, com técnicas de vigilância secretas que estão acumulando dados infinitos nestas bases gigantes. Segundo os especialistas, à media que se estende a rede — o controle dos dados multiplica-se de maneira exponencial. Mas a quantidade de informação que se guarda digitalmente já é esmagadora. Por exemplo: se imprimisse em papel o expediente escolar de uma criança americana, a espessura do dossier seria de duas polegadas [5 cm]; o dossier de saúde de um adulto é ainda maior e cobre tudo, desde o estado mental da pessoa até a condição do seu frigorífico. A isto acrescenta-se que em cidades como Londres, onde existem 4 milhões de câmaras de vigilância, uma pessoa é capturada por estes dispositivos uma média de 300 vezes por dia Nos EUA, uns 10 mil bancos de dados contêm 7000 milhões de registros dos seus cidadãos.
A Intel e a Microsoft criaram impressões digitais que permitem rastrear cada documento guardado num computador doméstico. As técnicas de vigilância foram adaptadas à utilização de corporações civis e não há companhia importante nos EUA que não tenha na sua folha de pagamentos homens treinados pela NSA, pela CIA e outras agências de espionagem. A American Management Association (AMA), a organização mundial líder em capacitação, treino e desenvolvimento gerencial cuja sede encontra-se em Nova York, assegura que 79 por cento das empresas americanas vigiam as comunicações dos seus empregados. E como se fosse pouco, a indústria da vigilância consolidou-se rapidamente entre as mais solventes do mundo.
Os serviços de inteligência e os ministérios que executam a política econômica desse país estão autorizados a encaminhar e receber informação econômica secreta, derrubando todas as barreiras legais ou institucionais que limitam o acesso à informação privada. Os funcionários americanos reconhecem inclusive que a NSA recolhe informação econômica, de forma deliberada ou não com o pretexto de detectar e intervir no financiamento de grupos terroristas. Contudo, raras vezes os métodos e as ferramentas que utilizam aparecem em fontes públicas. Tentamos documentar também neste âmbito como operam os tentáculos da NSA e das principais agências de segurança americanas, cujo antecedente público mais remoto localizamos num memorado de 1970, do Diretor Executivo do Conselho Assessor de Inteligência Exterior dos EUA, onde foi dada a ordem de "considerar a espionagem econômica um aspecto da Segurança Nacional, com um grau de prioridade equivalente à espionagem diplomáticas, militar ou tecnológica".
Em 1993, o presidente Clinton ampliou o apoio dos serviços de inteligência americana às organizações comerciais mediante a criação de um novo Conselho Econômico Nacional, comparável ao Conselho de Segurança Nacional. Em 5 de Maio de 1997, numa reunião entre a NSA, a CIA e o Departamento do Comércio, foi autorizada a criação de um organismo secreto: o Gabinete de Enlace de Inteligência. Sua missão era gerir a "espionagem externa" de interesse para o Departamento do Comércio. Recentemente, The New York Times revelou com profusão de pormenores como funcionam os tentáculos da NSA, a partir do exemplo do consórcio bancário com sede em Bruxelas, conhecido como Society for Worldwide Interbank Financial Transactions (SWIFT) que permitiu aos EUA examinar dezenas de milhares de transações financeiras. Esta cooperativa belga — que transfere dinheiro a 7800 instituições financeiras em todo o mundo, a maioria fora das suas fronteiras — encaminha diariamente seis mil milhões de dólares entre bancos, bolsas de valores, agências de bolsa e outras instituições.
Os funcionários do Departamento do Tesouro não necessitam ordens aprovadas por um tribunal ou notificações para examinar transações específicas no SWIFT pois utilizam ordens administrativas muito gerais para intervir em milhões de registro da cooperativa. Por outras palavras, a racionalização oficial de que a vigilância é só para proteger o Estado e seus cidadãos do terrorismo internacional e das máfias locais converteu-se num pretexto sinistro para criminalizar de fato todos os cidadãos do mundo.
A vigilância atinge atualmente um nível sem precedentes na história da humanidade e um caráter abertamente ameaçador, que cumpriu o vaticínio de Philip R. Zimmerman, o criador do PGP (Pretty Good Privacy), uma aplicação informática de cifragem, confirmação e autenticação. Em 26 de Junho de 1996, perante o Subcomité de Ciência, Tecnologia e Espaço do Comite do Comércio, Ciência e Transporte do Senado dos EUA, declarou:
"No passado, se o governo quisesse violar a intimidade dos cidadãos comuns, tinha de gastar seus recursos a interceptar, abrir com vapor e ler o correio e escutar, gravar e transcrever as conversações telefônicas. Isso era como pescar com cana, um por um. Pelo contrário, as mensagens de email são mais fáceis de interceptar e podem ser scannerizadas em grande escala, em busca de palavras interessantes. Isto é como pescar com rede, existindo uma diferença orwellliana quantitativa e qualitativa para a saúde da democracia".
Testando a ditadura digital no Iraque
"A centenas de milhares de iraquianos foram tomadas fotos, impressões digitais e uma imagem da íris e receberam cartões de identificação para serem mostrados nos postos de controle... Este ano, os efetivos americanos receberão 3800 scanners de mão, além dos 200 que já estão em uso, para equipar cada esquadra de polícia no país... Os dispositivos podem recompilar e mostrar dados, o que permite às tropas observarem os antecedentes de alguém e decidirem se devem deter a pessoa".
As tropas dos EUA possuem leitores de RFID tão pequenos como uma lente de contacto. Este dispositivo permite ler dados pessoais a distância e rastrear e identificar cada habitante que portar o documento, sem que este saiba que está sendo vigiado. É, basicamente, o sonho de todo policia perante um "suspeito": saber quem é, onde vive, o que faz e qual foi o seu itinerário anterior, sem necessidade de pedir a identificação à pessoa e sem que ela saiba que está a ser especialmente observada pelo agente.

http://www.lajiribilla.cu/2007/n346_12/346_08.html